sábado, 17 de março de 2012

Ele conseguia combinar ciência com política e uma aguda crítica social


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ANÁLISE

Ele conseguia combinar ciência com política e uma aguda crítica social

WAGNER COSTA RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Escrever sobre um mestre do porte do professor Aziz Ab'Sáber é um desafio, dada sua grandeza como pesquisador e como ator social envolvido com as lutas sociais e ambientais do país. Trata-se de um dos principais geógrafos do mundo, responsável por teorias inovadoras, e que também se envolveu diretamente com o debate político e institucional.
Ab'Sáber foi um intelectual engajado, ambientalista e polêmico, ainda mais quando o assunto envolvia a política. Entre suas características pessoais estavam a enorme capacidade de síntese e de oratória. E isso é pouco para descrever um dos maiores pesquisadores brasileiros.
A geografia da vida do professor indica o quanto sua trajetória é articulada à sua história de vida. Do interior de São Paulo, partiu para os rincões do Brasil, descrevendo-os e estudando-os com o afinco de um apaixonado.
Seu engajamento político ocorreu em diversas ocasiões, como quando foi presidente do Condephaat e inovou ao propor o tombamento da Serra do Mar, ampliando o conceito de tombamento para além do caráter histórico e social. Também foi presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), onde promoveu encontros que combinavam discussão científica e política.
No Instituto de Estudos Avançados da USP, integrou o grupo que propôs o projeto Floram, o qual, no começo da década de 1990, já apontava a possibilidade de plantar árvores para captar carbono.
Com suas pesquisas sobre São Paulo e sobre a Amazônia, entre outros temas, projetou-se no mundo. Mas outra de suas características era mais importante: sua aguda crítica social, expressada em diversos momentos, como quando criticou a transposição do rio São Francisco e a reforma do Código Florestal.
Perde-se um grande pesquisador, que argumentava com a ciência em prol dos mais necessitados. A morte de Ab'Sáber, logo após a de César Ades, professor da USP morto na quarta-feira, deixa esta semana como uma das mais tristes da ciência brasileira de todos os tempos.

WAGNER COSTA RIBEIRO é professor do Departamento de Geografia do Instituto de Estudos Avançados da USP

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domingo, 11 de março de 2012

O assunto é menor, mas tem elevado valor simbólico. Nesta semana, a Justiça gaúcha determinou a retirada dos crucifixos de todas as suas dependências


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HÉLIO SCHWARTSMAN
Cristo despejado
SÃO PAULO - O assunto é menor, mas tem elevado valor simbólico. Nesta semana, a Justiça gaúcha determinou a retirada dos crucifixos de todas as suas dependências. Como bom ateu, sou favorável à medida. Entendo, porém, que alguns cristãos se sintam frustrados. Vou tentar mostrar que a laicidade do Estado interessa mais a eles do que a mim.
Um dos argumentos mais populares entre os defensores da permanência da cruz é o de que a maioria da população é cristã. Bem, a maior parte dos brasileiros também é flamenguista ou corintiana. A ninguém, contudo, ocorreria ornar os tribunais com bandeiras e flâmulas desses clubes. Maiorias não bastam para definir a decoração de paredes públicas.
De resto, nem todos os cristãos são entusiastas do crucifixo. Algumas denominações protestantes o consideram um caso acabado de idolatria, pecado cuja prática meus ancestrais judeus costumavam punir com o apedrejamento até a morte.
A vontade da maior parte dos cidadãos é, por certo, um elemento importante da democracia, mas não é absoluto nem incondicional. Um país só é democrático quando defende suas minorias da tirania das massas.
E o direito de todos a espaços públicos livres de proselitismo religioso deveria ser autoevidente. Ao contrário do que muitos podem pensar, isso importa mais para o crente membro de grupo ou seita minoritários do que para ateus e agnósticos.
Nós que não acreditamos num ser superior ou que julgam essa uma questão indecidível, tendemos a considerar imagens religiosas como uma manifestação supersticiosa, uma excentricidade, no máximo. Já um judeu ou muçulmano praticantes podem ver na figura do Cristo crucificado um símbolo de opressão e morte. Não se pode dizer que não tenham razões históricas para pensar assim.
Exceto para os apreciadores de teocracias de partido único, a laicidade do Estado é a melhor garantia da liberdade religiosa.

helio@uol.com.br
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domingo, 4 de março de 2012


 Índice geralSão Paulo, domingo, 04 de março de 2012Poder
Poder













ELIO GASPARI

A dura vida do presidente da OAB
Em janeiro, o procurador Ophir Cavalcante, licenciado desde 1998, custava à Viúva R$ 30.062,07 mensais
É dura a vida do presidente da Ordem dos Advogados, Ophir Cavalcante. No último ano ele condenou o tamanho da fila dos precatórios de São Paulo, a farra dos passaportes diplomáticos, as fraudes nos exames da Ordem, a atuação de advogados estrangeiros em Pindorama, o enriquecimento de Antonio Palocci e a blindagem dos "ficha suja". Defendeu a autonomia salarial do Judiciário e os poderes do Conselho Nacional de Justiça.
Como se sabe, Ophir Cavalcante é sócio de um escritório de advocacia em Belém e procurador do governo do Pará, licenciado desde 1998, quando se tornou vice-presidente da seccional da Ordem. Até aí, tudo bem, pois Raymundo Faoro era procurador do Estado do Rio, apesar de não lhe passar pela cabeça ficar 13 anos com um pé na folha da Viúva e outro na nobiliarquia da Ordem.
Em agosto do ano passado, quando o Tribunal Regional Federal permitiu que Senado pagasse salários acima do teto constitucional de R$ 26.723, Cavalcante disse o seguinte: "O correto para o gestor público é que efetue o corte pelo teto e que as pessoas que se sentirem prejudicadas procurem o Judiciário, e não o contrário".
Em tese, os vencimentos dos procuradores do Pará deveriam ficar abaixo de um teto de R$ 24.117. Seu "Comprovante de Pagamento" de janeiro passado informa que teve um salário bruto de R$ 29.800,59. O documento retrata as fantasias salariais onde a Viúva finge que paga pouco e os doutores fingem que recebem menos do que merecem. Isso não ocorre só com ele, nem é exclusividade do Ministério Público do Pará.
O salário-base do doutor é de R$ 8.230,57. Para os cavalgados é isso, e acabou-se. No caso de Cavalcante, somam-se sete penduricalhos. Há duas gratificações, uma de R$ 6.584 por escolaridade, outra de R$ 7.095 por "tempo de serviço" (na repartição, ficou três anos, mas isso não importa); R$ 4.115 por "auxílio pelo exercício em unidade diferenciada" (a procuradoria fica em Belém, mas ele está lotado na unidade setorial de Brasília).
Esse contracheque levou uma mordida de R$ 5.196 do Imposto de Renda. Se o doutor trabalhasse numa empresa privada, com salário bruto de 29.800,59, tivesse dois dependentes e pagasse, como ele, R$ 2.141 na previdência privada, tomaria uma mordida de R$ 6.760.
Finalmente, há R$ 314 de auxílio-alimentação, o que dá R$ 15,70 por almoço. A OAB precisa protestar: o Ministério Público paraense passa fome.

sábado, 3 de março de 2012


 Índice geralSão Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 2012Opinião
Opinião
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HÉLIO SCHWARTSMAN
A invenção da democracia

SÃO PAULO - Já que estão tirando tudo dos gregos, dou minha contribuição à pilhagem, roubando-lhes os direitos autorais sobre a democracia.
Desde criancinhas, aprendemos que foram os gregos, mais especificamente os atenienses do século
5º a.C., que inventaram e implementaram o sistema pelo qual o povo governa a si mesmo. O problema é que essa ideia é falsa. Trata-se de um mito forjado no século 19 e que perdura até hoje, apesar do acúmulo de evidências em contrário.
Como mostra John Keane no instigante "Vida e Morte da Democracia", a palavra "democracia" e práticas a ela relacionadas já circulavam pelo mundo grego desde o final da Idade do Bronze (c. 1.500-1.200 a.C.).
Suas raízes remontam a inscrições conhecidas como Linear B, do período micênico, nas quais aparece o termo "damokoi", para designar funcionários que agiam em nome do "damos", isto é, do povo. Pelo menos a metade das cerca de 200 cidades-Estado gregas experimentou a democracia, muitas delas antes da Atenas do século de ouro.
Keane vai mais longe e oferece farta documentação de que o elemento central da democracia, as assembleias populares autônomas, surgiram ainda antes no Oriente, em territórios que hoje correspondem a Irã, Iraque e Síria -sim, a história pode ser profundamente irônica.
De lá, ela se espalhou para todos os lados, como forma eficaz de combate contra a tirania. A leste, chegou até o subcontinente indiano. Por volta de 1.500 a.C., no início do período védico, repúblicas dirigidas por assembleias eram comuns. A oeste, o costume do autogoverno atingiu as cidades fenícias de Biblos e Sidon, de onde ganhou a civilização grega.
Essas descobertas implicam que ciclos de nascimento e morte da democracia são bem mais comuns do que pensamos. Num mundo em que até o passado é incerto, devemos nos acautelar contra o excesso de otimismo com o futuro.
helio@uol.com.br


Hélio Schwartsman é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na página 2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos. Na Folha.com, escreve às quintas-feiras.

Militares de pijama - HÉLIO SCHWARTSMAN




Índice geralSão Paulo, sábado, 03 de março de 2012Opinião

HÉLIO SCHWARTSMAN
Militares de pijama

SÃO PAULO - Para mim, a Comissão da Verdade é absolutamente necessária, e a indicação de Eleonora Menicucci para a pasta das Mulheres foi o ponto alto da reforma ministerial da presidente Dilma Rousseff. Não concordo, portanto, com nenhuma linha dos manifestos com críticas ao governo que oficiais da reserva vêm publicando.
Numa República presidencialista, o comandante em chefe das Forças Armadas é o presidente. Todos os militares da ativa lhe devem obediência, independentemente de partilharem ou não de suas ideias e políticas. Indo um pouco mais longe, acho que daria até para argumentar que os oficiais da reserva remunerada, que podem eventualmente ser chamados para o serviço ativo, também estejam submetidos ao regime disciplinar e hierárquico dos militares.
Parece-me um exagero, porém, que as leis e regulamentos castrenses permitam enquadrar e punir por desrespeito à hierarquia os oficiais reformados, que são, para todos os efeitos, cidadãos aposentados.
Se essas regras são constitucionais, temos uma situação em que as obrigações diferenciadas exigidas dos militares se tornam perpétuas, o que se assemelha mais a disposições da ordem escravocrata do que aos contratos típicos do mundo livre.
É bem verdade que, em 1986, sob o governo Sarney, foi aprovada a lei nº 7.524, que faculta aos militares inativos "opinar livremente sobre assunto político, e externar pensamento e conceito ideológico, filosófico ou relativo à matéria pertinente ao interesse público". Mas essa salvaguarda fica ainda aquém daquelas que constituem o núcleo das liberdades fundamentais asseguradas pela Carta de 1988 e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não há nenhuma razão para privar pelo menos o oficial reformado dessas proteções.
Não deixa de ser irônico que agora se invoque para os militares as garantias individuais que as Forças Armadas tão amiúde ignoraram.